Eu sempre me emociono quando ele entra
no ônibus. Todas as vezes. Hoje, especificamente, acho que saí de casa para
ouvi-lo. Ele chega sorridente e com uma sanfona pequena, dessas de oito -
baixos. O instrumento já está bem usado, velho, mas ainda conserva a capacidade
de arrancar sorrisos ao abrir e fechar do fole. A sanfona está desafinada, mas
ninguém se atenta muito a isso, todos querem é ouvi-lo tocar. Ele canta um
forró-pé-serra. Desses bem tradicionais. Canta A volta da asa branca, A vida do
viajante, Boiadeiro. É emocionante quando ele canta: “mas Assum Preto, cego dos
óio, num vendo a luz, ai, canta de dor”. Ele também não enxerga. Ele vê e sente
o mundo pelo tocar de sua sanfona. E talvez seu canto seja de dor. Mas,
cantando, faz os outros enxergarem um mundo mais bonito. Um mundo mais leve.
Ele canta para receber uns trocados. Não. Acho que ele canta para melhorar sua
vida. Para fazer passar sua dor. A dele e a dos outros. Ele canta para pincelar
poesia ao seu redor. E o que se vê é assim: um homem tocando, os sorrisos se
abrindo, o bater dos pés no ritmo da música, algumas vozes tímidas acompanhando
o canto e as almas se cobrindo de encanto e paz. É bonito ver como as pessoas o recebem bem...
motorista, cobrador... passageiros. Tudo fica melhor com ele ali... tocando sua
sanfoninha desafinada, com sua voz cansada, com suas roupas já gastas.
Meu querido senhorzinho, eu não sei o
seu nome, mas agradeço pelo momento encantador que o senhor me ofereceu hoje.
Agradeço por seu talento, por seu sorriso, pela música, pela perseverança e
coragem. Mas, sobretudo, agradeço por me fazer perceber o quão bela é a
simplicidade da vida. Espero que o senhor tenha muitos anos de vida. E que
ainda possa fazer melhor o dia de muitas pessoas, como fez melhor o meu dia.
Que a poesia sempre esteja presente na sua vida e no seu cantar. Que seu canto
de simplicidade e alegria ecoe por todos os espaços vazios... dentro e fora de
nós. Um forte abraço.
Salvador, Maio de 2013.
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