RETROCESSO...

Uma família residente no Morumbi está oferecendo dez mil reais de recompensa para quem der pistas que levem aos assltantes de sua mansão. É um valor simbólico, segundo a família. Quem sabe os próprios ladrões não se entregam? Afinal o valor da recompensa é cinco vezes maior do que o levado no assalto.

Não vou aqui levantar a bandeira da criminalidade. Nem tenho essa intenção. Mas me parece um retrocesso uma família espelhar-se nos antigos faroestes para prender criminosos. Porque esse dinheiro não é investido em projetos na favela vizinha a mansão? E que me desculpem os defensores da liberdade que há no capitalismo, mas para mim parece injusto uma só família ser livre para ter uma casa no valor de três milhões de reais, enquanto do seu lado crianças não são livres para construir um bom futuro; porque só percebem o caminho do narcotráfico como possibilidade de ascenção, expressão e respeito.

Se as pistas aparecerem, se os assaltantes forem presos e os dez mil forem entregues. Nada irá mudar. Absolutamente nada. Porque o problema não está nesses criminosos que serão punidos. O problema está na criminalidade que é cultivada a cada momento pelas desigualdades, pelo descaso e pelo retrocesso de achar que punir é mais importante que recuperar.

O objetivo da prisão é manter afastado do convívio social aqueles que seguem as leis estabelecidas(teoricamente) pela sociedade e recuperar neles a capacidade de viver em grupo. Mas no país verde-amarelo criminosos engravatados e assaltantes do povo continuam se reelegendo e fugindo das CPIs, enquanto os já marginalizados, desprezados e favelados quando envolvidos com a criminalidade são jogados em celas lotadas e esquecidos lá dentro.

O oferecimento de dez mil reais e o pronunciamento da família em rede nacional de que a quantia é ínfima e simbólica é uma evidência do porque do assalto. A desigualdade é tamanha e o poder do dinheiro se sobrepõe a tantos outros poderes, que a rica família acha-se no direito de assumir o papel da polícia. Alguém, precisa avisar a essa família que o Brasil é bem maior que uma mansão. Alguém precisa relembrar que a criminalidade deve ser combatida pelo Estado, e se esse não está cumprindo seu papel de governar comunidades, assegurar direitos e cumprir as leis, então, temos um problema maior, bem maior que um assalto a uma mansão num bairro nobre de São Paulo.

Se encontrasse com essa família lamentaria, verdadeiramente, o episódio do assalto a sua sua mansão. Lamentaria também ela considerar dez mil reais um valor simbólico num país de desempregados, favelados, desnutridos e moradores de rua.

Ah! E sinceramente espero que o retrocesso limite-se a esse acontecimento. Antecipo-me e desde já digo não à volta da Santa Inquisição e dos campos de concentração.