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quinta-feira, março 15, 2007

E se os "sobreviventes" dependessem de boas intenções??


Hoje, no final da tarde, aproximava-me do ponto de ônibus onde me sentei - disputando um espacinho com as pessoas que lá já estavam -, quando avistei duas mulheres negras de cor parda, visivelmente famintas, de pés descalços, roupas rasgadas, cabelos assanhados, e uma expressão que escondia visíveis marcas de sofrimento, com certeza agravadas pela dor de sobreviver numa selva onde figuram como vítimas sem nem saber porque... Naturalmente essas mulheres desconhecem os motivos reais das injustiças que desde sempre as acompanha. A elas nem mesmo é dada a oportunidade de saber que as entrelinhas de nossa história furtaram sua dignidade e constituíram um sistema opressor que hoje se combina com o capitalismo escravizante e com a omissão da sociedade. A dor que sentem é uma dor sentida por muitas, mas é uma dor que não pode ser compartida. É tão forte, que as incapacita de sentir a dor dos outros. Infelizmente certos fatos só nos alimenta a idéia de que nessa sub-vida que levam, atitudes que para nós parecem desumanas, não passa de um dos pouquíssimos meios dos quais dispõem para mudar a própria sorte ( leia-se: ter algo para vestir, por comida na mesa e ter um canto pra dormir com os filhos - coisas que para os que vivem abaixo da linha da pobreza, não deixam de ser um luxo). Mas neste cenário de evidente massacre social sem autor, o que me intrigou mesmo, foi o fato de essas mulheres trazerem em seus colos bebês com menos de 2 anos de vida; crianças subnutridas, atônitas a tudo, mas externando um choro desesperado... Eram eles os únicos capazes de provocar a comoção social de que elas necessitavam. Suas imagens (adultas) e seus discursos rotineiros já não mais garantiam-lhes um bom saldo no final do dia, sendo assim, pedir esmola com as crianças no colo fez tanto efeito que embora soe assustador, já se montou quase que uma "empreendimento". Tenho que confessar que fiquei chocada ao ouvi-las comentar algo do tipo: "tá ficando tarde... é bom a gente levar os filho da mulé antes que ela chie com a gente...". Não tive ação no momento. Já duvidei da maternidade de algumas, mas não imaginei que tudo já estivesse tão escancarado. Essas mulheres pegavam os filhos das outras para pedir esmola nas ruas, alegando serem pobres e mães de crianças subnutridas e passarem muita fome. Não que istofuja à realidade, mas... sem comentários, né! Parei pra pensar sobre o assunto, e confesso que tenho dúvidas sobre o quem é pior: as mulheres que expõem criaças indefesas - diga-se de passagem,os filhos de terceiras - a dias inteiros figurando como "veículos" para ilegalidade, ou NÓS que compomos a elite dominante sermos mesquinhos ao ponto de condenarmos essas mulheres à reprovação social? Talvez ainda não pareça tão alarmante, mas isso faz parte do processo de “subintegração do cidadão”, que sutilmente tem se agravado. A legitimidade da qual dispõe esta rejeição – que já atingiu o status de “Poder sobre os Corpos” – é cotidianamente reforçada pelos meios de comunicação. A mídia vende diariamente a figura da plebe rude, do indivíduo à margem da sociedade, sobre o qual lança um estereotipo que captado facilmente pela sociedade, acaba por impedir a concretização de uma real mobilidade - seja no aspecto social, econômico ou político - alimentando um sentimento de inferioridade capaz de produzir efeitos irreversíveis no caráter do indivíduo vítima da crueldade deste sistema. O interessante é que insistimos em dizer que entendemos o problema e queremos mudança. Claro, Mudanças! Já! Recorremos então às leis e aos fazedores das leis, mas quando ensaiamos passos lentos para a realização da tão necessária inclusão social, tem sempre uma parcela da sociedade pra boicotar o processo. As Ações Afirmativas voltadas às comunidades negras -prinipalmente o sistema de cotas - são um exemplo disto, pois são medidas de cunho compensatório, destinadas à superação de bloqueios sociais que recaem sobre indivíduos - alvos das mais diversas formas de preconceito – vítimas dos efeitos nefastos do histórico processo de exclusão social. Contudo, apesar do enorme ganho social possível de ser viabilizado por essas medidas – não desconsiderando o caráter emergencial das mesmas -, a elite dominante insiste em constituir argumentos que pormenorizem a importância e funcionalidade destas ações em face de uma igualdade constitucional que em verdade nunca se realizou. Adimito que não tinha a pretenção de questionar a questão das cotas étinico-raciais - pelo menos por enquanto, mas temos que reconhecer que as nossas classes dirigentes sabem tanto quanto os "incluídos" o que está ocorrendo, e continuam a fazer as mesmas coisas que historicamente vinham fazendo: explorando direta ou indiretamente as camadas menos favorecidas, e tentando justificar sua omissão com acusações pérfidas ou busca por soluções a longíssimo prazo que só servem pra posar pra foto: "apóio a causa social... mas ela que não pise no meu calo e atrapalhe meus planos!" . Eis aí o discursso da sociedade "comprometida"! Pois eu tenho uma certeza: entre boas intenções e boas ações, estou até agora tentando encontrar no convite que recebi para uma formatura de Medicina, um negro entre os 164 concluintes... comovente, não acham? Prometo que se achar algum, conto pra vocês na próxima postagem...

7 comentários:

LACLIM disse...

Oi Jana!!Adorei o texto ...muito bom msm!
Aguardo proximos posts...
Beijo

Stella disse...

Muito boa a reflexão. Parabéns.

L.Paiva disse...

Infelizmente o mundo que vivemos é o mundo das oportunidades para quem tem dinheiro e não pra quem realmente merece. Ninguém quer dividir sua fatia de pizza com quem está ao lado faminto.

Anônimo disse...

jana, eu não sou muito adepta deste discurso partidarista racial, sabe? Prefiro o social. Então quando você pergunta de um negro no convite de medicina, eu me perguntaria se há um pobre no mesmo convite. Assim, as minhas premissas são diferentes. A questão de cotas, mesmo, eu, por incrível que pareça, ainda não tenho decisão formada sobre o assunto. E olhe que eu tento me informar ao máximo, indo pra debates que expõem os dois opostos. Mas quanto às cotas para negros, talvez eu seja, sim, contra, cotas sociais? Talvez. O problema é que estas medidas assistenciais só fazem tardar o real problema que nós sabemos qual é: a educação BASE. Não falo só da educação de escola, mas aquela oriunda da família, dos valores, das virtudes.

Uilians Uilson disse...

Valeu, Isa!

É com essa esperança que estamos vivendo. Não sei se você percebeu, mas coloquei o Reticências na lsita dos meus blogs favoritos. Obrigado pela força e continue assim fazendo um belo trabalho, aqui!

Um beijo e sucesso!

Uilians Santos

Anônimo disse...

QUANTO AO COMENTÁRIO DE LUPE, ATÉ CONCORDO QUE POR DETRÁS DE TUDO ISSO HAJA INÚMERAS IMPLICAÇÕS SOCIAS, MAS NÃO TE PARECE ESTRANHO QUE 87% DA POPULAÇÃO POBRE DO BRASIL SEJA COMPOSTA DE NEGROS E PARDOS???
ACHO QUE ISSÓ É MAIS DO QUE ASSUSTADOR... PRECISAMOS PARAR PRA ANALISAR O ASSUNTO MENOS UTOPICAMENTO... É NECESSÁRIO DECISÕES A CUTO PRASO, INFELIZMENTE, OU CONTINUAREMOS A VER O SENSÍVEL EXTERMÍNIO DE SERES HUMANOS...

Anônimo disse...

QUANTO AO COMENTÁRIO DE LUPE, ATÉ CONCORDO QUE POR DETRÁS DE TUDO ISSO HAJA INÚMERAS IMPLICAÇÕS SOCIAS, MAS NÃO TE PARECE ESTRANHO QUE 87% DA POPULAÇÃO POBRE DO BRASIL SEJA COMPOSTA DE NEGROS E PARDOS???
ACHO QUE ISSÓ É MAIS DO QUE ASSUSTADOR... PRECISAMOS PARAR PRA ANALISAR O ASSUNTO MENOS UTOPICAMENTE... É NECESSÁRIO DECISÕES A CUTO PRASO, INFELIZMENTE, OU CONTINUAREMOS A VER O SENSÍVEL EXTERMÍNIO DE SERES HUMANOS...