É preciso se perder o medo. O medo de dizer não; de se mostrar; de gritar. O medo paralisa, faz recuar, faz calar as muitas vozes. As vozes precisam gritar em tons diferentes, precisam criar um coral desafinado, precisam gerar movimento. Uma ação(movimento) pode girar muitas engrenagens(movimentos).
O fato é: precisa-se ter força para sair do estado de paralisia para o estado de movimento. Quando todos se conscientizarem dessa necessidade, haverá menos crianças pedindo nos sinais, haverá menos olhos que choram lágrimas invisíveis, haverá menos medo, e dor, e desespero. E haverá, sobretudo, menos olhos fechados e mais lábios na intenção do sorrir.
Certa feita escrevi um conto que retrata um pouco essa relação medo-paralisia-força-movimento. Vou escrevê-lo aqui.
VENTO FRACO(OU OLHOS PREGUIÇOSOS)
Flores vermelhas num jardim cinzento. O vento perguntou ao príncipe de calças estranhas:
-E o que é felicidade?
O menino mais preocupado com seus carrinhos de portas que abrem e fecham, respondeu:
-Felicidade é porta aberta.
E o mundo explodiu. Todos os meninos agora eram príncipes. O menino que era filho único virou prícipe das brincadeiras de brincar sozinho. O menino que dançava virou o príncipe dos aplausos e das notas perdidas no tempo. O menino de rua agora era príncipe do malabarismo e da fome que tem mania de se esconder.
O vento tentava abrir as portas; chaves trancam portas. Existem muitas e diferentes portas, mas poucas chaves. O Universo que é um velho sábio, doido e distraído, não consegue entender a demora do vento para desatar os nós. Muita gente acha que as portas se abrem sozinhas e que deve ser um trabalho individual, quase manual e muito demorado. Algumas muitas outras gentes não sabem da existência das portas. E algumas, ainda, fingem não vê-las.
Vez ou outra as estrelas vêem ajudar o vento(ele chora sozinho para elas se apiedarem). Elas colocam um pouco de luz aqui e ali. E também põem encanto(encanto produz espanto e espanto produz percepção). As estrelas-do-mar, mesmo que raramente, também ajudam nesse trabalho de escanto-espanto.
Príncipes constrem castelos ou castelos são construídos para príncipes? Quem são os príncipes? E quem constroe os castelos? Castelos são grandes e possuem muitas portas. Então, a felicidade estremece de medo e se esconde num canto a cada vez que se constroe castelos. A felicidade queria gritar, mas não tem a saúde muito boa e não anda se alimentando muito bem. Felicidade tem medo. E portas precisam estar abertas para que ela saia, conheça muitos lugares, pessoas diferentes. A felicidade é sorridente. E tem um abraço fraternal. Mas as portas quase sempre ficam fechadas e o vento é fraco(porque não encontra as chaves).
O velho risonho, divertindo-se com a confusão do vento e das estrelas(também as do mar) e distraído com o brincar de fazer de conta do príncipe, começou a falar:
-Todo mundo tem as chaves. Chaves abrem portas e portas são pensamentos. Portas são fechadas pelos preconceitos, pela ambição e, principalmente, por olhos fechados. Olhos fechados fingem que não sabem. Não existe um nome para a chave. Primeiro porque cada um tem a sua e dá-lhe o nome que achar cabível. Segundo porque não é uma coisa só e imutável. Eu sei que não. Existem muitas portas, algumas, talvez, jamais serão abertas (porque o homem é pequeno e não alcança as fechaduras), outras podem ser abertas com a ajuda de todos e rapidamente, basta abrir os olhos e perceber a chaves.
Nesse momento o vento quase parou, o príncipe espantou, estrelas esconderam-se por trás do firmamento e pode-se ouvir o barulho grande de portas que iam se abir. A menina despertou, olhou as horas num relógio verde. Idealizou ainda ser cedo e esquentou-se com seu cobertor de castelinhos, cheios de portas fechadas.
É isso. Vivam as portas abertas. Viva o movimento.
Abraço. E força... muita força sempre.
Um comentário:
Que lindo!
{Encantador}
Postar um comentário